sábado, 18 de abril de 2020

Atacama Norte - final


Dia 38 – 17 de abril de 2020 – sexta-feira
Saí cedo de Curitiba, com temperatura de 7,5 graus! Cheguei ao anel rodoviário (contorno de Curitiba) e continuei até o início da Régis Bittencourt, que leva a São Paulo; fiz a primeira parada no Túlio, a 60 km de Curitiba, para abastecer e tomar um café, pois o frio estava castigando. Segui em boa velocidade, a viagem estava rendendo bem, até que, um pouco antes da descida da serra do Azeite, um acidente com tombamento e incêndio de um caminhão interditou totalmente a pista por uma hora e meia, pois foi necessário debelar o incêndio e remover pedaços do caminhão que se espalharam e também incendiaram. Fui andando pelo acostamento no meio das imensas filas de veículos e cheguei ao ponto do acidente. Enquanto aguardava apagarem o incêndio, conheci um senhor que viajava em uma Royal Enfield e ficamos conversando. Quando o carro de bombeiros da concessionária saiu, fui o primeiro a passar, e, aproveitando as pistas vazias pelo represamento de veículos, toquei em velocidade alta por mais de 100 km, até o Graal Petropen, na altura de Registro, eu precisava compensar o atraso causado pela interdição da pista. A estrada era minha!  




Fiz um lanche rápido no Graal, e quando estava saindo, chegou o senhor da Royal Enfield apavorado: havia abastecido e esquecido sua mochila no posto, 2 km atrás. Iria voltar para tentar recuperá-la, e, caso não conseguisse, não teria sequer como pagar os pedágios até São Paulo, seu destino. Dei-lhe R$20,00 e segui em frente, enquanto ele entrou em um retorno.
Andei muito bem, parei para almoçar no posto onde às vezes pernoito, em Juquitiba, após subir a Serra do Cafezal. Fiquei sabendo que todos os hotéis da região estavam fechados, e a ordem era que os restaurantes só atendessem aos caminhoneiros, mas consegui almoçar.
No último pedágio da Régis Bittencourt, quando fui parar na cabine, a manete do freio dianteiro foi até o final; bombeei, mas não adiantou, estava sem o freio dianteiro e acabei batendo na traseira de uma moto que estava parada pagando o pedágio. Não houve nada mais sério que um susto, mas eu estava sem freio e assim segui viagem. Não iria parar para consertar, eu queria chegar em Rio Claro ou adiantar ao máximo a viagem no dia de hoje e ainda faltavam mais de 500 km para o destino.
Com cuidado devido ao freio, percorri o Rodoanel e entrei na Carvalho Pinto, onde só fui parar no Graal Market, na altura de Guararema, para abastecer e tomar mais um café. Ao final da Carvalho Pinto entrei na Dutra, que apresentava movimento bem menor que o normal, o que me permitiu andar bem e ganhar tempo. Todos os hotéis estavam fechados, tentei em Taubaté, Aparecida e Guaratinguetá, mas não havia hotéis abertos, nem dentro das cidades.
O jeito era tentar chegar a Rio Claro. Andei em ritmo forte até Floriano, onde parei na cantina Ovomaltine. Eram 18:00 h, em pouco mais de uma hora eu chegaria a Rio Claro, mas não quis percorrer o pequeno trecho à noite, pois já estava cansado e a entrada do sítio apresenta risco de tombo para a moto pesada, principalmente à noite. O restaurante possui quartos no andar superior para viajantes; aluguei um quarto simples, porém limpo, para passar a noite. Trouxeram-me o jantar no quarto em uma embalagem descartável, pois o bar/restaurante teria que fechar. Tomei um banho quente e reconfortante e dormi.

Dia 39 – 18 de abril de 2020 – sábado
Em cerca de uma hora cheguei em Rio Claro, após ter saído da cantina Ovomaltine às 6:30 h, depois de uma boa noite de sono. Estradas vazias e uma viagem serena, bem tranquila.
Passei o dia todo cuidando das coisas que são feitas após uma longa viagem de moto: descarregar e desarrumar a bagagem, lavar as roupas, guardar coisas, lavar a moto e os baús e também fazer compras para mim e para a casa, pois, afinal, estamos em quarentena!
Esta foi uma viagem de surpresas e descobertas, em todos os sentidos. O que poderia ser uma horrível experiência, o fato de ficar confinado em uma casa estranha em outro país por 25 dias acabou sendo um período de reflexões, descobertas e reposicionamento diante da vida. Durante a viagem propriamente dita, houve momentos muito tensos e difíceis, mas todos foram superados, sempre houve alguém que entendia a dificuldade pela qual eu passava e tentava amenizar o sofrimento. Sou grato a todos, sejam policiais, frentistas, empregados de lojas e pessoas comuns, que deram sua contribuição para que as coisas não fossem piores.
E agora? É esperar que tudo volte ao normal, que o Covid-19 seja debelado e eliminado, para que eu possa voltar à estrada! Ah, e terminar esta viagem ao Atacama Norte, pois a atual foi interrompida em Susques, com o fechamento das fronteiras da Argentina.
Até breve!

quinta-feira, 16 de abril de 2020

Atacama Norte - rodando pelo Brasil


Dia 36 – 15 de abril de 2020 – quarta-feira
Com 12 graus de temperatura saí de São Borja pela BR-285, enfrentando um asfalto totalmente detonado, com todos os defeitos e imperfeições possíveis. Neste aspecto, dá saudade das estradas argentinas!
Andei bem durante toda a manhã, com muito cuidado para não levar um tombo devido ao mau estado do pavimento. Almocei em Carazinho, uma comida boa e farta, e segui em frente até Passo Fundo, onde entrei na BR-153 (Transbrasiliana). Passei por Erechim e ingressei no estado de Santa Catarina. Minha meta era chegar até Gral. Carneiro, mas ao abastecer em Irani verifiquei que o posto possuía um hotel e, melhor, o hotel estava funcionando. Decidi parar por ali, pois já passava um pouco das 18 h, estava frio,  logo escureceria e ainda faltavam 100 km para General Carneiro, que eu levaria no mínimo 2 h para percorrer, considerando ser noite e o estado e o traçado da estrada, com diversas serras. Foi uma medida acertada, o hotel era bom e protegeu-me bem da temperatura que baixou até 5 graus durante a madrugada. Havia uma loja de conveniência 24 h no posto, o que me garantiu o lanche da noite, antes de dormir.

Neste dia rodei cerca de 580 km, o que considero muito bom se levarmos em consideração o estado das estradas.

Dia 37 – 16 de abril de 2020 – quinta-feira
Pela manhã fazia 9 graus em Irani. Esperei esquentar um pouco e às 8:30 h sentei na moto com 12 graus de temperatura e iniciei o trajeto do dia. O asfalto não melhorou, mas o traçado piorou bastante, havia muitas serras e muitos trechos sinuosos, o que impedia velocidades elevadas; além disto, a estrada estava muito cheia, principalmente de caminhões, e os pontos para ultrapassagens seguras eram poucos.
O almoço foi em São Mateus do Sul, também uma boa comida, servida em um restaurante cheio de cuidados com o Covid-19.

Resolvi parar para pernoitar em Curitiba, ou melhor, em São José dos Pinhais, na região metropolitana. Ouvi dizer que o estado de São Paulo anda tomando medidas mais duras para restringir a circulação de pessoas e veículos, e antes de arriscar entrar no estado de São Paulo e não poder me hospedar ou entrar em restaurantes nas estradas, quero estar certo de que poderei atravessar todo o estado sem precisar parar, se necessário, pois, a partir de Curitiba, com algum sacrifício, posso chegar ao estado do Rio de Janeiro sem precisar dormir em São Paulo. Já basta o que passei na Argentina!
O dia de hoje, assim como o de ontem, apresentava céu totalmente azul, sol brilhante e temperatura baixa. Hoje não passou dos 19 graus. Foram 400 km bem tranquilos, entre curvas, serras e matas.
Após hospedar-me, saí para fazer algumas compras em um supermercado próximo para preparar um lanche, que seria o meu jantar.

terça-feira, 14 de abril de 2020

Atacama Norte - finalmente, de volta ao Brasil!


Dia 34 – 13 de abril de 2020 – segunda-feira
Acordei cedo, às 6:00 h. Estava muito escuro, o sol nasce às 7:30 h nesta época do ano. Oscar acordou e levantou-se para acompanhar minha partida, Vanessa veio de sua casa para se despedir, uma gentileza de ambos.
Atravessei a cidade, passei pelo bloqueio no acesso a Saenz Peña sem problemas e ingressei na Ruta 16. Segui com 16 graus de temperatura e fiz a primeira parada em um posto em Presidência de la Plaza, onde abasteci a moto e consegui tomar um café com medias lunas, obviamente fora da loja de conveniência do posto.
                                 Café em um posto de combustível
Mais adiante, na ruta 16, fui parado por policiais, pediram documentos, fotografaram a mim e à moto, fotografaram os documentos, fizeram perguntas e me mandaram seguir. O documento fornecido pelo consulado brasileiro facilitou as coisas e pesou na minha liberação.
Na entrada da Ponte Gral. Belgrano, novo bloqueio policial. Novamente, perguntaram, pediram documentos, fotografaram tudo, examinaram o documento do consulado brasileiro e me autorizaram a ir em frente. Naquele momento, saí da província do Chaco e ingressei na Ponte Gral. Belgrano sobre o rio Paraná.
Do outro lado da ponte a província é Corrientes, e a estrada atravessa a cidade homônima, capital da província. Ao descer da ponte, novo bloqueio, desta vez com muito mais policiais, agentes de saúde e alguns militares fortemente armados. Apresentei os documentos, respondi às perguntas de sempre e fotografaram os documentos e a mim. Mediram minha temperatura,  fumigaram toda a moto comigo em cima e me mandaram seguir em frente. Autorizaram-me a rodar pela pista central no trecho de estrada que travessa a cidade, quando as motos só podem andar pela pista lateral. Notei que todas as ruas de acesso à cidade estavam bloqueadas por policiais e por barricadas, uma operação de guerra.
Segui pela ruta 12 até Ita Ibaté, onde abasteci a moto e comi um dos sanduíches que houvera preparado na véspera. A parada seguinte foi em Ituzaingó, para novo abastecimento, pois a partir daí há cerca de 180 km de estrada sem postos de combustível. O restaurante do posto estava funcionando a meio mastro, deu para comer algo que não fosse sanduíche.
Fui parado novamente na ruta 12, mas liberado sem grandes problemas. Na divisa entre as províncias de Corrientes e Missiones, a 300 km de Foz do Iguaçu, novo bloqueio. Os policiais eram mais grosseiros e arrogantes, e não permitiram a minha passagem. Alegaram que a província de Missiones tem somente 2 casos de corona vírus, enquanto o Chaco, de onde eu vinha, é a província com mais casos. Todos os carros passavam, só eu fui retido, talvez por ser estrangeiro. Não tive argumentos, disseram que Missiones tem seus procedimentos próprios e que eu não seguiria adiante e não ingressaria na província. Não aceitaram o documento do consulado que dizia que eu passaria direto sem paradas até a fronteira e me mandaram voltar. Voltar para onde, se eu não podia me hospedar, entrar em cidades ou ao menos fazer um lanche em alguma loja de conveniência? Fiz contato com o consulado, mas a situação estava demorando a se resolver e já eram 16:30 h, logo escureceria. Eu já havia perdido tempo demais tentando argumentar com policiais insensíveis e sem o menor interesse em ajudar, parecia até que tinham prazer em reter e mandar voltar motociclistas brasileiros de moto, ainda que com o aval do consulado brasileiro para circular pela estrada. O próprio policial responsável pela minha retenção gabava-se de já haver mandado voltar “mais de 20 motociclistas brasileiros”.
Dei meia volta e adotei um plano B: tentaria entrar no Brasil por São Borja, no Rio Grande do Sul. Retornei 56 km pela ruta 12, rodei mais 90 km na ruta 120 e cheguei a Gov. Virasoro, onde abasteci a moto. Na cidade me pararam em outro controle policial e fui escoltado até sair da cidade, para que não parasse em local algum. O policial ainda me disse que eu era velho e que deveria estar trancado em casa!!
Já à noite, percorri 71 km da ruta 14 na direção sul, com muito vento, até chegar à fronteira Argentina/Brasil. Ainda na estrada de acesso à fronteira, antes de fazer os trâmites, me pararam, pediram documentos, fizeram perguntas e mediram a temperatura. Passada a aduana, ainda me pararam novamente, para fazer mais perguntas e medir a temperatura.
Atravessei a enorme ponte que liga os dois países e me senti libertado: estava no Brasil! Eu havia conseguido! Se não conseguisse chegar ao Brasil, não teria onde dormir nem onde comer, não sei o que faria. Eu PRECISAVA chegar. E cheguei!
Ingressei na cidade de São Borja e consegui um hotel após rodar um pouco. Tomei banho, comi uma pizza no restaurante ao lado do hotel e dormi profundamente, parecia que havia retirado um grande peso dos ombros. Estava em casa, agora seria mais fácil!


Dia 35 – 14 de abril de 2020 – terça-feira
Decidi tirar o dia de hoje para descansar o corpo e a mente da situação tensa que vivi nas últimas semanas, me sentindo um fugitivo clandestino, quando tudo o que fiz foi ser estrangeiro em um país que decretou duras medidas para conter uma pandemia. E a viagem de ontem foi tensa, cansativa e difícil, rodei por mais de 13 horas, sempre com receio de ficar retido em algum bloqueio e não ter onde ficar na Argentina, pois todos os hotéis e serviços estão fechados e estrangeiros são considerados uma ameaça.
Assim, passei o dia de hoje em São Borja, levando uma vida “normal”: saí às ruas, andei pela região central, fui à farmácia, almocei em restaurante e até comi um pouco de feijão, coisa que não comia há mais de 30 dias. Comprei coisas que precisava, como pasta de dentes, desodorante, shampoo e aparelho de barbear; aproveitei para comprar também álcool gel.
                                  Almoço, em restaurante

                                São Borja é considerada "terra de presidentes"

Amanhã iniciarei o retorno; procurarei informar-me sobre as condições das estradas, das cidades, das acomodações e das restrições, a fim de escolher o melhor caminho.

domingo, 12 de abril de 2020

Atacama Norte - Quarentena...


Dia 32 – 11 de abril de 2020 – Sábado de Aleluia
Ontem pela manhã o Oscar levou-me à polícia para tentarmos obter algum tipo de autorização que me permitisse circular pelas estradas até a fronteira com o Brasil. Havia bloqueios e controles rigorosos de circulação de pessoas dentro da cidade. Fomos à delegacia, mas nada se resolveu, disseram que o país e a província estão em quarentena e não é permitido circular. Tentamos falar com o comissário, mas ele não se encontrava, estava em missão externa. Fomos então à Gendarmeria, onde fomos informados que eu devo obter uma declaração da embaixada brasileira, o que me facilitaria o deslocamento. Sem essa declaração alegaram que eu não passaria pelos postos policiais.
Tivemos dificuldades para voltar para casa, fomos parados na entrada da cidade e tivemos que dar explicações e justificativas em um destacamento da polícia sobre o motivo que nos levou a sair de casa de carro. As máscaras são obrigatórias até mesmo dentro dos veículos próprios, e nós as estávamos utilizando.
Estou aguardando a tal declaração do consulado brasileiro em Buenos Aires, já a havia solicitado, através do preenchimento de um formulário. O consulado alega muitos casos semelhantes a resolver, mas comprometeu-se a enviar a declaração a tempo, para que eu possa tentar rodar até o Brasil no dia 13 de abril, segunda-feira. Vamos aguardar e torcer!
À noite, a Vanessa, namorada do Oscar veio jantar aqui; o Oscar fez um churrasco argentino e abriu mais um de seus vinhos para acompanhar a carne. Como aperitivo, tomamos Fernet, uma preferência nacional na Argentina.






Dia 33 – 12 de abril de 2020 – Domingo de Páscoa
Nenhuma manifestação do consulado até as 13 h; sem o documento, será impossível seguir adiante e também ingressar no Brasil, uma vez que há bloqueios por toda a estrada e a fronteira da Argentina está fechada, ninguém entra ou sai.
A ansiedade vai tomando conta de mim, e com ela vem a angústia de uma situação indefinida que não depende de mim. Cada vez as coisas ficam mais complicadas, e muitas pessoas só vêm com notícias ruins, o que em nada melhora a situação de apreensão em que me encontro.

quinta-feira, 9 de abril de 2020

Atacama Norte - ainda na quarentena


Dia 30 – 9 de abril de 2020 – quinta-feira
Os dias passam lentos e as notícias aqui na Argentina são sempre as mesmas sobre o Corona Vírus: número de casos, número de mortes, detenções e multas por desrespeitar a quarentena, bloqueios nas cidades e estradas, novas medidas restritivas e por aí vai. Já houve mais de 1.200 notificações, carros e pessoas apreendidas, mas não se fala no término da quarentena prevista para o próximo domingo de Páscoa, dia 12 de abril. Em Buenos Aires e na sua região metropolitana, o prazo de restrição à circulação foi estendido até 30 de abril. Em Presidência Roque Saenz Peña, onde estou, agora é obrigatório o uso de máscaras por todas as pessoas e a circulação está mais controlada e restrita. Após as 20 h não se pode mais sair de casa, a nenhum pretexto.
Enquanto vou ajudando nas tarefas rotineiras da casa e de obras (pintura, lixamento) vou me programando para partir em direção a Foz do Iguaçu no próximo dia 13 de abril, a menos que algo muito sério me impeça de ir. Já fiquei tempo demais por aqui, sinto-me incomodando e roubando o espaço e a privacidade do Oscar, que tem tido tolerância e paciência incríveis para que minha estada seja a melhor possível, mas paciência tem limites, não quero abusar mais da sua generosidade e boa-vontade.
O tempo no Chaco alterna dias de céu totalmente azul e sol brilhante com dias chuvosos de temperaturas mais baixas. No momento, faz um dia lindo, com céu aberto, mas a temperatura está bem amena, à noite baixa até os 10 graus e durante o dia não passa dos 22 graus. Como o sol arde forte e o ar é muito seco, as roupas lavadas secam em pouquíssimo tempo, mas, em compensação, a pele racha e a sensação de secura é grande.
                                         Superlua no Chaco
Tenho tido notícias de grupos de motociclistas retidos por toda a parte, cada um com seus problemas, tentando retornar ao Brasil. O Oscar está fazendo contatos com autoridades de Roque Saenz Peña sobre a possibilidade e riscos de uma viagem de retorno até Foz do Iguaçu no dia 13 de abril. Vamos aguardar.
Dei-me conta de que hoje é o trigésimo dia que estou fora de casa. Se tudo saísse conforme programado, já estaria de volta há alguns dias, mas os acontecimentos inesperados, percalços e imprevistos trazem em seu bojo experiências incríveis que nos marcam. Neste caso, nesta viagem interrompida, não foi diferente: todas as dificuldades, angústias e incertezas trouxeram uma riqueza não mensurável que nunca esquecerei, arriscaria dizer que será um divisor de águas na minha percepção das pessoas e de seu potencial de fazer o bem, de se incomodar com o próximo e de se dar generosamente sem querer coisa alguma em troca. Não falo somente do Oscar, a quem jamais poderei retribuir tudo o que fez, mas de outras pessoas com quem cruzei pelo caminho, pessoas simples, policiais, frentistas, comerciantes e outros, que demonstraram através de suas atitudes que ainda existem pessoas boas dispostas a ajudar quem precisa.

sexta-feira, 3 de abril de 2020

Atacama Norte - chuva e sol no Chaco


Dia 24 – 3 de abril de 2020 – sexta-feira
Ontem de madrugada uma chuva torrencial deixou-me assustado: choveu em 3 horas 114 mm, o barulho da água caindo era ensurdecedor, e veio acompanhado de raios e trovoadas. A temperatura caiu de 39 graus para 21 graus, e assim se manteve durante todo o dia, que permaneceu chuvoso. Ao menos a temperatura ficou amena e o dia foi mais leve, a menos dos mosquitos, que tornam o ato de dormir uma coisa difícil.
Selei mais uma parede a ser pintada posteriormente.
Hoje, o dia amanheceu lindo, um céu totalmente azul anil e um sol brilhante, mas a temperatura manteve-se em um patamar agradável. Deu para lavar e secar roupas.
                                             Dia de céu azul após dia de chuva
Não há evolução nas notícias sobre a quarentena. As medidas adotadas continuam em vigor, grupos de motociclistas que tentam circular são detidos e muita gente continua sem conseguir saír do país. Há motociclistas em Rio Gallegos, em Salta e em outros locais da Argentina, bem como na Carretera Austral, no Chile, todos aguardando o fim da quarentena ou alguma intervenção do consulado brasileiro que não acontece. Parece que o consulado está ajudando pessoas que estão viajando via aérea e tiveram problemas com cancelamento de vôos, mas ignoram viajantes de moto ou de carro. Mantive alguns contatos, preenchi formulários, mas nada acontece, dizem que tenho que verificar as condições das estradas e dos bloqueios nas diversas províncias, ou seja, não dizem coisa alguma e não ajudam no que é necessário, que é uma permissão para percorrer as estradas e sair do país. Para complicar um pouco mais, ontem morreram 9 pessoas em Resistência, capital do Chaco, devido ao Coronavírus. Estou na província do Chaco, que encontra-se bloqueada, a 200 km de Resistência. A passagem de Resistência para Corrientes, rota obrigatória para sair da Argentina em direção a Foz do Iguaçu, é através de uma ponte sobre o rio Paraná, que encontra-se com bloqueio total, ninguém passa.


quarta-feira, 1 de abril de 2020

Atacama Norte - pintando...


Dia 22 – 1º de abril de 2020 – quarta-feira
Caso não houvesse sido prorrogado o período de quarentena na Argentina, hoje eu teria rodado perto de 850 km, de Presidencia Roque Saenz Peña até Foz do Iguaçu, ingressando no Brasil. A prorrogação da quarentena até depois da Páscoa (12 de abril) condenou-me a mais um período de confinamento dentro de casa. Não sei como é a cidade onde estou, só conheço o trecho da rua onde estou abrigado, visto através das grades do portão. Dominar a angústia e a impaciência têm sido as minhas principais preocupações, pois preciso manter a calma, o equilíbrio e a mente em alta, até mesmo porque, terminado o período determinado pelo governo, terei ainda que rodar 2.400 km de moto até chegar em casa, no Rio de Janeiro. Não sei exatamente qual a situação no Brasil, aqui só chegam as notícias mais relevantes, mas tenho conhecimento de que os hotéis em Foz do Iguaçu estão fechados, assim como algumas cidades próximas, como, por exemplo, Cascavel, onde houve um ou mais casos de Corona Vírus. Nada sei sobre a situação dos postos de combustível, hotéis e cidades ao longo do percurso até o Rio de Janeiro.
A Vanessa, namorada do Oscar, conseguiu comprar meus remédios de uso contínuo sem receita; o Oscar foi buscá-los hoje pela manhã. Ao menos neste aspecto, tenho uma folga de mais 20 dias. Para os brasileiros que de tudo reclamam, saibam que os remédios aqui custaram cinco vezes mais caro que no Brasil!
As restrições à circulação de pessoas e veículos em Roque Saenz Peña, que já eram rigorosas, estão ficando cada vez mais duras. Após as 20 h não se pode sair de casa para nada, nem mesmo para comprar alimentos ou remédios. Ontem o gás acabou e só hoje pela manhã o Oscar pôde comprar um novo botijão.
Passei praticamente todo o dia pintando as paredes que faltavam da cozinha. A pintura foi feita com uma trincha de 1 ½”, a única que havia na casa. Mas o resultado final foi bom. Amanhã devo selar as paredes do dormitório para pintar em dia posterior.

                                                     Vinho de sobremesa

Nada de mais importante a dizer!