quinta-feira, 29 de março de 2012

Vencendo as cordilheiras - um dia intenso

28 de março de 2012

Saimos da pousada em Tilcara e seguimos até Purmamarca, pequeno povoado de origem indígena muito simples, bonito e agradável, pois Júlio e Almir queriam comprar meias de lã, e eu precsava sacar mais dinheiro em moeda argentina.

Eu saí para a subir a montanha na frente deles, devido às limitações da Falcon frente à BMW GS 800 e à V-Strom 1000. Subi com alguma dificuldade e muita paciência a imponente Cuesta de Lipán, um zig-zag pela montanha, atingindo a altitude de 4.180 msnm em seu ponto mais alto. A moto ficou muito fraca e falhando, mas fui subindo devagar, curtindo cada curva e cada nova montanha que aparecia pela frente. Nenhuma foto seria capaz de mostrar a imponência da montanha riscada pela estrada serpenteante, e nenhuma descrição seria justa com a grandeza e beleza do local. É a 4ª vez que passo por aqui, e sempre me emociono e me sinto pequeno diante de tamanha grandiosidade da natureza.




                                          Fronteira Argentina-Chile a 4.350 msnm

Desci a montanha pelo outro lado e cheguei a Salinas Grandes, um imenso salar rasgado pela ruta 52. Fiquei esperando pelos companheiros de viagem em Salinas Grandes, no meio do salar, durante 45 min, o que me deixou mais bronzeado do que um dia inteiro na praia. O salar fica a cerca de 3.400 m de altitude.
                                            Salar Salinas Grandes

Quando eles chegaram, parti na frente, sempre devido às limitações da minha moto. Segui no ritmo que conseguia andar, e em alguns trechos chegava até os 80 km/h. Realmente, uma moto carburada é totalmente contra-indicada para grandes altitudes.

Encontramo-nos em Susques, a 160 km de Purmamarca, para almoçar, às 13:40 h. Abastecemos as motos, pois ainda havia um longo caminho pela frente até nosso destino, San Pedro de Atacama, no Chile. Ficamos sabendo que havia sido aberto um posto de gasolina em Paso de Jama, na fronteira Argentina-Chile, o que eliminou a necessidade de levar galões de gasolina como reserva.

Nossa próxima parada foi justamente no Paso de Jama, na fronteira, depois de passar por paisagens incríveis, bandos de Lhamas e alpacas e um deserto de altitude frio, vazio e belo. A estrada corre a uma altitude de 3.650 m entre cumes de montanhas, algumas com neve em seu topo.

Após os trâmites aduaneiros em Jama (saída da Argentina), a estrada chega a 4.350 m de altitde, ingressa no Chile e continua nessa incrível altitude. Mais lagunas altiplânicas e paisagens de tirar o fôlego, com temperatura de 6 ºC. Minha moto começou a piorar, e já eram mais de 17:00 h. Júlio e Almir passaram por mim e combinamos nos encontrar na aduana de San Pedro de Atacama, 160 km adiante, os mais difíceis da travessia, devido à altitude. A Falcon já não conseguia mais ter força para andar em 5ª marcha, fui em 4ª a 60 km/h. Em qualquer subida, tinha que reduzir para 3ª ou 2ª, caindo a velocidade para menos de 40 km/h.

                                         Laguna altiplanica a mais de 4.300 msnm

Em um trecho onde há uma subida mais forte, a temperatura já estava em 3,5 ºC e a moto não conseguia subir, afogava, parava e não tinha forças sequer para arrancar em 1ª, mesmo queimando a embreagem. Cheguei a saltar e empurrar a moto ladeira acima com a pequena ajuda do motor, para ver se conseguia ao menos chegar ao topo, mas o frio intenso e a falta de oxigênio mostraram que eu não conseguiria. Estava a cerca de 4.800 m de altitude, próximo ao ponto mais alto da estrada, estava escurecendo e ainda faltavam 110 km para San Pedro. Fui subindo com a moto aos trancos em 1ª, a menos de 5 km/h, torcendo para a moto aguentar aquela exigência, pois eu dependia dela para sair dali. Fui subindo naquele sufoco por mais de 40 min e não  andei mais que 3 km.

Consegui, a duras penas, chegar ao topo, Para piorar, estava gripado, totalmente congestionado, respirando pela boca e com pouco oxigênio, tanto para mim, como para a moto.

Deus tem estado do meu lado. Quando vi as coisas ficarem feias de verdade, Almir e Júlio apareceram de volta com suas motos. Eles estavam fotografando à beira da estrada, e um caminhoneiro que viu minha dificuldade acenou-lhes que minha moto estava mal. Já estava no plano, mas a quase 5.000 msnm, minha moto não passava de 30 km/h, devido à falta de oxigênio para misturar-se com a gasolina e queimar. Almir começou a empurrar-me com o pé até 80 km/h, durante mais de 60 km. Para complicar um pouco, a temperatura caiu para 1,5ºC negativos (-1,5ºC) e começou a nevar forte. Eu com o nariz entupido e viseira embaçada, nós três tremendo de frio, Almir me empurrando com o pé e a neve caindo forte... Seria belo, se não fosse a situação!

Andamos assim por 1 hora, contornamos o vulcão Licancabur com temperatura negativa até que começou a imensa descida de 50 km em direção a San Pedro. Almir parou de empurrar, minha moto desceu sozinha e a temperatura foi aumentando à medida que descíamos. Parou de nevar, e conseguimos chegar, depauperados, à aduana de San Pedro de Atacama com noite alta, onde fizemos todos os trâmites de ingresso no Chile.

Não tínhamos moeda chilena. Passamos em um caixa automático, sacamos dinheiro e fomos procurar hotel. Encontramos muitos motoqueiros de vários locais, muitos haviam tido problemas para entrar na Bolívia e retornaram, como nós.

Jantamos às 23:30 h e fomos dormir totalmente exaustos e esgotados, porém felizes. Afinal, não era isso que queríamos?

O dia de hoje foi incrível em termos de paisagens, que são únicas e raras. Só quem já viu e passou por aqui sabe disso, é impossível descrever, inclusive as cores, o cheiro e até o silêncio dos locais ermos e altos. E a neve? Que coisa linda, pena que veio em uma hora em que não deu para curti-la como merecia.



                                           Vulcão Licancabur ao fundo, na estrada à noite  -1,5ºC!

Nós três temos a mesma opinião, de que tudo que passamos valeu, e muito! E devo aos meus companheiros de viagem, Júlio e Almir, o fato de estar aqui escrevendo, pois se não voltassem para me socorrer, não sei como sairia dali, com a moto sem passar dos 20 km/h, a uma temperatura de -1,5ºC, à noite e com a neve caindo. Realmente, seria muito mais difícil do que foi.

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