sábado, 24 de março de 2012

Um pequeno contratempo... no Chaco



Após fechar a conta no hotel Colon em Resistência e amarrar a bagagem na  moto, parei para abastecer, verificar o nível do óleo e lubrificar a corrente. Cruzei a cidade desde o centro e às 9:00 h entrei na ruta 16, que cruza a província do Chaco e leva a Salta.

Como sempre, a estrada estava vazia, mas chega a dar aflição saber que há 1.000 km pela frente a serem percorridos. Andei bem, mantive os 110 km/h e fui pacientemente comendo os quilômetros. A moto faz 15 km/l, é sempre assim com a gasolina argentina, e o arrasto devido aos alforjes é grande.

Parei para almoçar em Pampa del Infierno, a uns 250 km de Resistência, e retornei à estrada de imediato, para conseguir rodar mais. Havia percorrido 25 km quando de repente a moto perdeu força e o motor disparou. Parei no acostamento e constatei a tragédia: a moto estava sem a corrente da transmissão, ou seja, a corrente se partiu, caiu na estrada e ficou para trás. Meu primeiro pensamento foi "estou fudido, o que vou fazer neste local sem qualquer recurso, longe de tudo, sem cidades, sem movimento e com um calor de derreter os miolos?"  Eram exatamente 13:00 h e o sol estava a pino. A estrada é deserta, não há cidades ou povoados em um raio de 25 km e a minha moto não é conhecida na Argentina.



A primeira providência foi encontrar a corrente. Voltei 500 m a pé e a achei, havia sido literalmente cortada no elo de emenda, não me perguntem como. A ajuda e a salvação chegaram na forma de um senhor humilde, sem dentes, que vinha em uma bicicleta motorizada. Ele parou e se propôs a me ajudar. Ele trazia algumas ferramentas básicas e tinha idéia de como resolver o problema ao menos para eu sair daquele lugar. Eu mesmo não acreditava que fosse dar certo, mas a obstinação do velho era tanta que fiquei contagiado. Em sua simplicidade e imensa sabedoria ele coordenou todas as ações que tivemos que tomar para eu poder sair dali. Até um martelo e um punção obtivemos em uma estância próxima, a única em um raio de 50 km. Para encurtar a história, removemos um elo da corrente e improvisamos uma emenda. O Juan (era esse seu nome) me salvou com tanto interesse em ajudar e ao mesmo tempo de forma tão desinteressada que me comoveu. Simples, sábio e capaz! Um enviado dos céus!


Saí devagar com medo do elo provisório romper-se novamente, e então não haveria mais jeito. Percorri os próximos 38 km a 40 km/h, levei 1:10 h.

Cheguei ao povoado de Los Frentones e procurei um mecânico de motos. O rapaz me atendeu muito bem, checou toda a corrente à procura de mais danos, mas ela estava íntegra, a menos do reparo realizado. Elogiou o conserto feito, e disse que essa corrente é muito difícil achar na Argentina, somente em Salta eu a encontraria, mas seria possível seguir viagem em velocidade menor que os 110 km/h que eu vinha imprimindo. Não me cobrou nada e ainda conseguiu água, sabão e uma toalha limpa para eu lavar as mãos, que estavam em estado deplorável de tanto mexer em corrente. Mais uma coisa que não esquecerei.

Estava a mais de 500 km de Salta, e logo escureceria,

Baixei a velocidade para 80 km/h, o que foi um tormento, mas estava andando novamente!. Mal saí de Los Frentones vi um rapaz empurrando uma Krypton. Parei para ajudá-lo naquele fim de mundo, ele escorria de suor e cobrira a cabeça com um casaco para se proteger do sol. Estava com o pneu furado, não tive como ajudá-lo, nem sei como conseguiu resolver seu problema.

Enquanto eu conversava com o rapaz da Krypton, passaram 2 motociclistas do Brasil por nós sem parar. Mantive minha velocidade de penitência, e ao chegar nos policiais de Pampa de los Guanacos (os mais corruptos da ruta 16), eles estavam parados "conversando". Fiz um sinal para o guarda e passei direto, sem ser parado. Logo adiante parei para abastecer e chegaram os 2 motociclisatas, que se chamam Júlio e Almir. Tiveram que dar uma "contribution para la policia". Eles vão também para Uyuni, porém com um roteiro diferente do meu. Conversamos sobre a viagem, mas não posso acompanhá-los, pois além de estarem com motos maiores e mais potentes, não posso correr até que troque a corrente, sob pena de ficar definitivamente na estrada, sem conserto.

Encontramo-nos no posto de gasolina seguinte, 100 km adiante, em Monte Quemado, eles iriam tentar cambiar dinheiro na cidade.

Segui até Taco Pozo, onde entrei para pernoitar, estava exausto pelos acontecimentos e pela baixa velocidade naquela reta interminável, parecia que o tempo e os quilômetros não passavam.

Taco Pozo parece uma cidade de 100 anos atrás: cortada ao meio por uma ferrovia, só tem ruas de terra e casas simples. Existe um hotel, onde fiquei. É uma boca de porco, mas não tinha opção, pois estava muito cansado e com muita dor nas costas.

Após um banho restaurador, saí para jantar, mas só consegui comer um hamburguer. Ao menos tudo se resolveu e acabou bem.

O dia foi puxado, não rodei muito (cerca de 500 km), mas foi uma lição de solidariedade que não esquecerei.

Valeu!

4 comentários:

  1. aoi CHU, JÁ TENTEI MANDAR MSG, estou fazendo algo errado q não publica...vou tentar de novo...tome cuidado, repense a ida à Bolívia, seja prudente...bjs

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    1. Serei cuidadoso. Quando chegar à fronteira vou analisar a situação e decidir.

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  2. Essa solidariedade me comove, até arrepiei ao ler o relato do senhor da bicicleta. Estive pensando esses dias como na verdade somos totalmente dependentes dos outros, pois andei atolando, furando o pneu em locais inóspitos, em situações que é impossível se resolver sozinho. Compreendo bem a lição que aprendeu, pois tive a mesma. É realmente comovente como pessoas que no cotidiano passam por nós sem importância e valor, na verdade são tesouros valiosíssimos, que só percebemos o valor na necessidade. As pessoas são o melhor deste mundo, principalmente as de coração bom. Muito amor e paz na estrada!

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    1. A vida é um aprendizado constante, nunca acaba. Experiências como esta servem para nos fazer acreditar nas pessoas, na solidariedade e, principalmente, para nos descer do pedestal e nos deixar mais humildes. Absorvi mais essa lição, e agradeço a Deus a oportunidade de tê-la tido.
      A mensagem foi postada sem identificação. Gostaria de saber quem a enviou!

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