terça-feira, 14 de abril de 2020

Atacama Norte - finalmente, de volta ao Brasil!


Dia 34 – 13 de abril de 2020 – segunda-feira
Acordei cedo, às 6:00 h. Estava muito escuro, o sol nasce às 7:30 h nesta época do ano. Oscar acordou e levantou-se para acompanhar minha partida, Vanessa veio de sua casa para se despedir, uma gentileza de ambos.
Atravessei a cidade, passei pelo bloqueio no acesso a Saenz Peña sem problemas e ingressei na Ruta 16. Segui com 16 graus de temperatura e fiz a primeira parada em um posto em Presidência de la Plaza, onde abasteci a moto e consegui tomar um café com medias lunas, obviamente fora da loja de conveniência do posto.
                                 Café em um posto de combustível
Mais adiante, na ruta 16, fui parado por policiais, pediram documentos, fotografaram a mim e à moto, fotografaram os documentos, fizeram perguntas e me mandaram seguir. O documento fornecido pelo consulado brasileiro facilitou as coisas e pesou na minha liberação.
Na entrada da Ponte Gral. Belgrano, novo bloqueio policial. Novamente, perguntaram, pediram documentos, fotografaram tudo, examinaram o documento do consulado brasileiro e me autorizaram a ir em frente. Naquele momento, saí da província do Chaco e ingressei na Ponte Gral. Belgrano sobre o rio Paraná.
Do outro lado da ponte a província é Corrientes, e a estrada atravessa a cidade homônima, capital da província. Ao descer da ponte, novo bloqueio, desta vez com muito mais policiais, agentes de saúde e alguns militares fortemente armados. Apresentei os documentos, respondi às perguntas de sempre e fotografaram os documentos e a mim. Mediram minha temperatura,  fumigaram toda a moto comigo em cima e me mandaram seguir em frente. Autorizaram-me a rodar pela pista central no trecho de estrada que travessa a cidade, quando as motos só podem andar pela pista lateral. Notei que todas as ruas de acesso à cidade estavam bloqueadas por policiais e por barricadas, uma operação de guerra.
Segui pela ruta 12 até Ita Ibaté, onde abasteci a moto e comi um dos sanduíches que houvera preparado na véspera. A parada seguinte foi em Ituzaingó, para novo abastecimento, pois a partir daí há cerca de 180 km de estrada sem postos de combustível. O restaurante do posto estava funcionando a meio mastro, deu para comer algo que não fosse sanduíche.
Fui parado novamente na ruta 12, mas liberado sem grandes problemas. Na divisa entre as províncias de Corrientes e Missiones, a 300 km de Foz do Iguaçu, novo bloqueio. Os policiais eram mais grosseiros e arrogantes, e não permitiram a minha passagem. Alegaram que a província de Missiones tem somente 2 casos de corona vírus, enquanto o Chaco, de onde eu vinha, é a província com mais casos. Todos os carros passavam, só eu fui retido, talvez por ser estrangeiro. Não tive argumentos, disseram que Missiones tem seus procedimentos próprios e que eu não seguiria adiante e não ingressaria na província. Não aceitaram o documento do consulado que dizia que eu passaria direto sem paradas até a fronteira e me mandaram voltar. Voltar para onde, se eu não podia me hospedar, entrar em cidades ou ao menos fazer um lanche em alguma loja de conveniência? Fiz contato com o consulado, mas a situação estava demorando a se resolver e já eram 16:30 h, logo escureceria. Eu já havia perdido tempo demais tentando argumentar com policiais insensíveis e sem o menor interesse em ajudar, parecia até que tinham prazer em reter e mandar voltar motociclistas brasileiros de moto, ainda que com o aval do consulado brasileiro para circular pela estrada. O próprio policial responsável pela minha retenção gabava-se de já haver mandado voltar “mais de 20 motociclistas brasileiros”.
Dei meia volta e adotei um plano B: tentaria entrar no Brasil por São Borja, no Rio Grande do Sul. Retornei 56 km pela ruta 12, rodei mais 90 km na ruta 120 e cheguei a Gov. Virasoro, onde abasteci a moto. Na cidade me pararam em outro controle policial e fui escoltado até sair da cidade, para que não parasse em local algum. O policial ainda me disse que eu era velho e que deveria estar trancado em casa!!
Já à noite, percorri 71 km da ruta 14 na direção sul, com muito vento, até chegar à fronteira Argentina/Brasil. Ainda na estrada de acesso à fronteira, antes de fazer os trâmites, me pararam, pediram documentos, fizeram perguntas e mediram a temperatura. Passada a aduana, ainda me pararam novamente, para fazer mais perguntas e medir a temperatura.
Atravessei a enorme ponte que liga os dois países e me senti libertado: estava no Brasil! Eu havia conseguido! Se não conseguisse chegar ao Brasil, não teria onde dormir nem onde comer, não sei o que faria. Eu PRECISAVA chegar. E cheguei!
Ingressei na cidade de São Borja e consegui um hotel após rodar um pouco. Tomei banho, comi uma pizza no restaurante ao lado do hotel e dormi profundamente, parecia que havia retirado um grande peso dos ombros. Estava em casa, agora seria mais fácil!


Dia 35 – 14 de abril de 2020 – terça-feira
Decidi tirar o dia de hoje para descansar o corpo e a mente da situação tensa que vivi nas últimas semanas, me sentindo um fugitivo clandestino, quando tudo o que fiz foi ser estrangeiro em um país que decretou duras medidas para conter uma pandemia. E a viagem de ontem foi tensa, cansativa e difícil, rodei por mais de 13 horas, sempre com receio de ficar retido em algum bloqueio e não ter onde ficar na Argentina, pois todos os hotéis e serviços estão fechados e estrangeiros são considerados uma ameaça.
Assim, passei o dia de hoje em São Borja, levando uma vida “normal”: saí às ruas, andei pela região central, fui à farmácia, almocei em restaurante e até comi um pouco de feijão, coisa que não comia há mais de 30 dias. Comprei coisas que precisava, como pasta de dentes, desodorante, shampoo e aparelho de barbear; aproveitei para comprar também álcool gel.
                                  Almoço, em restaurante

                                São Borja é considerada "terra de presidentes"

Amanhã iniciarei o retorno; procurarei informar-me sobre as condições das estradas, das cidades, das acomodações e das restrições, a fim de escolher o melhor caminho.

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