Dia 34 – 13 de abril de 2020 – segunda-feira
Acordei cedo, às 6:00 h. Estava muito escuro, o sol nasce às
7:30 h nesta época do ano. Oscar acordou e levantou-se para acompanhar minha
partida, Vanessa veio de sua casa para se despedir, uma gentileza de ambos.
Atravessei a cidade, passei pelo bloqueio no acesso a Saenz
Peña sem problemas e ingressei na Ruta 16. Segui com 16 graus de temperatura e
fiz a primeira parada em um posto em Presidência de la Plaza, onde abasteci a
moto e consegui tomar um café com medias lunas, obviamente fora da loja de
conveniência do posto.
Café em um posto de combustível
Mais adiante, na ruta 16, fui parado por policiais, pediram documentos,
fotografaram a mim e à moto, fotografaram os documentos, fizeram perguntas e me
mandaram seguir. O documento fornecido pelo consulado brasileiro facilitou as
coisas e pesou na minha liberação.
Na entrada da Ponte Gral. Belgrano, novo bloqueio policial.
Novamente, perguntaram, pediram documentos, fotografaram tudo, examinaram o
documento do consulado brasileiro e me autorizaram a ir em frente. Naquele
momento, saí da província do Chaco e ingressei na Ponte Gral. Belgrano sobre o
rio Paraná.
Do outro lado da ponte a província é Corrientes, e a estrada
atravessa a cidade homônima, capital da província. Ao descer da ponte, novo
bloqueio, desta vez com muito mais policiais, agentes de saúde e alguns militares
fortemente armados. Apresentei os documentos, respondi às perguntas de sempre e
fotografaram os documentos e a mim. Mediram minha temperatura, fumigaram toda a moto comigo em cima e me
mandaram seguir em frente. Autorizaram-me a rodar pela pista central no trecho
de estrada que travessa a cidade, quando as motos só podem andar pela pista
lateral. Notei que todas as ruas de acesso à cidade estavam bloqueadas por
policiais e por barricadas, uma operação de guerra.
Segui pela ruta 12 até Ita Ibaté, onde abasteci a moto e
comi um dos sanduíches que houvera preparado na véspera. A parada seguinte foi
em Ituzaingó, para novo abastecimento, pois a partir daí há cerca de 180 km de
estrada sem postos de combustível. O restaurante do posto estava funcionando a
meio mastro, deu para comer algo que não fosse sanduíche.
Fui parado novamente na ruta 12, mas liberado sem grandes
problemas. Na divisa entre as províncias de Corrientes e Missiones, a 300 km de Foz do Iguaçu, novo bloqueio.
Os policiais eram mais grosseiros e arrogantes, e não permitiram a minha passagem.
Alegaram que a província de Missiones tem somente 2 casos de corona vírus,
enquanto o Chaco, de onde eu vinha, é a província com mais casos. Todos os
carros passavam, só eu fui retido, talvez por ser estrangeiro. Não tive
argumentos, disseram que Missiones tem seus procedimentos próprios e que eu não
seguiria adiante e não ingressaria na província. Não aceitaram o documento do consulado que dizia que eu passaria
direto sem paradas até a fronteira e me mandaram voltar. Voltar para onde, se
eu não podia me hospedar, entrar em cidades ou ao menos fazer um lanche em
alguma loja de conveniência? Fiz contato com o consulado, mas a situação estava
demorando a se resolver e já eram 16:30 h, logo escureceria. Eu já havia
perdido tempo demais tentando argumentar com policiais insensíveis e sem o menor
interesse em ajudar, parecia até que tinham prazer em reter e mandar voltar
motociclistas brasileiros de moto, ainda que com o aval do consulado brasileiro
para circular pela estrada. O próprio policial responsável pela minha retenção
gabava-se de já haver mandado voltar “mais de 20 motociclistas brasileiros”.
Dei meia volta e adotei um plano B: tentaria entrar no Brasil
por São Borja, no Rio Grande do Sul. Retornei 56 km pela ruta 12, rodei mais 90 km na
ruta 120 e cheguei a Gov. Virasoro, onde abasteci a moto. Na cidade me pararam
em outro controle policial e fui escoltado até sair da cidade, para que não
parasse em local algum. O policial ainda me disse que eu era velho e que
deveria estar trancado em casa!!
Já à noite, percorri 71 km da ruta 14 na direção sul, com
muito vento, até chegar à fronteira Argentina/Brasil. Ainda na estrada de
acesso à fronteira, antes de fazer os trâmites, me pararam, pediram documentos, fizeram
perguntas e mediram a temperatura. Passada a aduana, ainda me pararam
novamente, para fazer mais perguntas e medir a temperatura.
Atravessei a enorme ponte que liga os dois países e me senti
libertado: estava no Brasil! Eu havia conseguido! Se não conseguisse chegar ao
Brasil, não teria onde dormir nem onde comer, não sei o que faria. Eu PRECISAVA
chegar. E cheguei!
Ingressei na cidade de São Borja e consegui um hotel após
rodar um pouco. Tomei banho, comi uma pizza no restaurante ao lado do hotel e
dormi profundamente, parecia que havia retirado um grande peso dos ombros.
Estava em casa, agora seria mais fácil!
Dia 35 – 14 de abril de 2020 – terça-feira
Decidi tirar o dia de hoje para descansar o corpo e a mente
da situação tensa que vivi nas últimas semanas, me sentindo um fugitivo
clandestino, quando tudo o que fiz foi ser estrangeiro em um país que decretou
duras medidas para conter uma pandemia. E a viagem de ontem foi tensa,
cansativa e difícil, rodei por mais de 13 horas, sempre com receio de ficar
retido em algum bloqueio e não ter onde ficar na Argentina, pois todos os
hotéis e serviços estão fechados e estrangeiros são considerados uma ameaça.
Assim, passei o dia de hoje em São Borja, levando uma vida “normal”:
saí às ruas, andei pela região central, fui à farmácia, almocei em restaurante
e até comi um pouco de feijão, coisa que não comia há mais de 30 dias. Comprei
coisas que precisava, como pasta de dentes, desodorante, shampoo e aparelho de
barbear; aproveitei para comprar também álcool gel.
Almoço, em restaurante
São Borja é considerada "terra de presidentes"
Amanhã iniciarei o retorno; procurarei informar-me sobre as
condições das estradas, das cidades, das acomodações e das restrições, a fim de
escolher o melhor caminho.
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